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ZONA DE CONFLITO

     Cinco horas da tarde. Chegou a hora. Alguns minutos de distração e pode custar caro. É melhor voltar para casa. O céu começa a esmaecer, o laranja toma o espaço do azul. Ao Oeste, em direção ao lago Guaíba, um vermelho sangue preenche a linha horizontal. Pouco importa o peso do carrinho de ferro, que a essa altura já anda com dificuldade em razão da grande quantidade de garrafas plásticas que comporta. Chegando à Avenida Farrapos, pouco tempo resta para que a escuridão tome conta do cenário. A instrução é clara: seguir caminhando, independentemente da circunstância.

   Agora em completa escuridão, os monstros saem do abrigo. Daniel espia uma ruela e testemunha uma tentativa de estupro. Não registra detalhes, desvia na direção opos-

ta e segue caminhando. Então, um corpo morto, no meio da calçada. Não poderia evitar aquele assassinato. Segue o rumo para casa, sem dar-se o direito de entrar em pânico. Mais um dia de trabalho.

      Nada era novidade. Aos 16 anos, ainda morando em Santa Maria, cidade natal, envolveu-se em um homicídio. Passou meses prestando serviço socioeducativo na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor, a FEBEM, hoje Centro de Atendimento Socioeducativo. Daniel tornaria a estudar, quase completando o ensino básico. Um desvio, no entanto, interrompeu o seu caminho. Ainda menor de idade, começou a consumir cocaína. Por cinco anos, dedicou todo o tempo e esforço à procura incessante pela droga. Vendeu muitos bens pessoais para sustentar o vício, que quase o levou à morte por overdose.

Daniel carrega as cicatrizes de um passado sombrio na nova vida como catador

    O pai, um bom marceneiro, e a mãe, faxineira doméstica, faleceram pouco antes de Daniel tomar a decisão de abandonar Santa Maria, em 2018. Viveu oito meses em Ijuí, onde não encontrou emprego fixo e bom salário. A oportunidade apareceu em Porto Alegre, mas não durou mais que alguns meses. Logo foi demitido e precisou buscar empregos instáveis e mal remunerados.

Os carrinheiros caminham dis-

tâncias exausti-

vas, sempre pu-

xando a pesada carroça

    Há quatro meses trabalhando como catador, Daniel já viu cenas de muita violência. Carregando esse fardo consigo, espera ansiosamente a oportunidade de um emprego formal. A mulher, empregada doméstica, auxilia com o aluguel de R$ 600 que pagam na Avenida Farrapos, centro de Porto Alegre. É pelos arredores também que muitos catadores passam a noite, seja na rua ou em casas de acolhimento. A região funciona como eixo central da economia das ruas, já que é por lá que se encontram muitas reciclagens, onde o lixo é vendido.

       As reciclagens não são lugares de muito prestígio, principalmente em razão do grande número de catadores que circulam ao redor. Na minha busca por esses espaços, recebi referências de vários pontos próximos à Farrapos e à São Pedro. Muitos, contudo, fecharam há poucos meses. A sofisticação do espaço urbano encarece o aluguel e, aos poucos, o negócio das ruas fica mais periférico. Para recolher todo o material, abandonado em canteiros do centro da cidade, à beira das grandes avenidas, em esquinas, contêineres e em becos – e ainda vendê-lo por algum trocado — os carrinheiros caminham distâncias exaustivas, sempre puxando a pesada carroça.

As garrafas plásticas são apenas uma parte do que é coletado por Daniel

© 2024 - Pedro Stahnke

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