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O RALI

         No canteiro abandonado acumulam-se dezenas de sacolas plásticas, caixas de leite, copos descartáveis, fios, garrafas de vidro, latas, CDs, embalagens de isopor, folhas de jornal e etiquetas de roupa. No meio disso, uma bag de lixo grande, que pode comportar cerca de 90 quilos de sucata. Cristian atravessa o mar de lixo e lama para resgatar seu instrumento de trabalho. Rasgada, a grande bolsa de lona não guardaria muita coisa, mas o serviço tinha de ser feito. Colocou-a na carroça de duas rodas. Posicionou-se entre a estrutura metálica e uma barra de ferro dianteira, por onde colocava as rodas em movimento com a tração corporal. Caminharia pouco mais de dois quilômetros e meio até a Avenida Cairú, ainda sem carga. Começava o dia de trabalho.

       Lá se vão cinco anos que Cristian puxa carroça. Aos 23 anos de idade, desistiu de completar o ensino fundamental no ano anterior. Vagabundo é como ele se descreve. Passou um ano e dois meses no presídio por tráfico de cocaína, substância à qual era adicto. Assim que recebeu a liberdade, tentou recomeçar a vida ao lado da namorada. Mudaram-se para Santo Antônio da Patrulha, distante 80 quilômetros da Capital. Quando o relacionamento acabou, voltou para Porto Alegre. Não tinha casa.

     Seguia levando a carroça. Sempre em movimento. Uma, duas, três, 11 horas de trabalho. À 1h chega em casa, onde mora so-

Faça chuva ou sol forte, o trabalho é indispensável

zinho. Dorme. Acorda. Com sorte, terá serviço na mecânica em que faz trabalhos pontuais de pintura e chapeação de veículos. Sua carroça não recebe reparo há um tempo. Às 14h sai de casa, horário em que a atividade dos catadores se intensifica. A corrida começa. Tem para todos, mas precisa-se de muito para fazer o dia render. Com cem quilos de papelão, ganha-se R$ 20. Cinco centavos por livro ou revista. O vidro e o alumínio dão um pouco mais, mas estão em menor quantidade. O mercado da reciclagem é instável. Os preços descem, a quantidade de lixo aumenta e vice-versa.

         As carroças, puxadas pela tração animal, foram proibidas por lei em Porto Alegre em 2008, com prazo de oito anos para efetivação. A determinação pretendia restringir o uso de cavalos em vias públicas apenas à cavalaria da Brigada Militar. No entanto, no vocabulário das ruas, os carroceiros são aqueles que, como animais, puxam a carroça com o próprio corpo.

     Cristian sonha em comprar uma casa e viver de outro ofício, porém o crime deixou-o na rua. Hoje ainda paga pelo seu passado, preso à carroça. Na Vila Areia, onde mora, não é o único cativo.

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Sob o risco de não ter o que comer à noite, Cristian precisa voltar para a Vila Areia com a carroça cheia

© 2024 - Pedro Stahnke

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